13/06/2008
00h05
Está a passar a noite de Sto António. Devo confessar que fugi de casa. Fugi com todos os pés que tenho. E para quem possa pensar que só tenho 2, devo esclarecer que nesta altura, só para sair dali, ganho pelo menos mais 3 pares, o que, segundo as minhas contas me deixa com 8 pés. O mais dificil é mesmo arranjar sapatos para tanto pé. Mas, o que é facto mesmo, é que me pirei com toda a velocidade que consegui encontrar.
Agora escrevo do meu "bunker", isolado, apenas com o rádio onda média a crispar as ondas sonoras à minha volta, com sons cuspidos, felizmente em português. Ao meu lado a vela arde lentamente, projectando as suas tenebrosas sombras nas paredes nuas e sem janelas.
00h59
Não posso fumar. Não há ventilação alguma.
01h38
Tenho aliás, que respirar cada vez mais devagar, cada vez mais pausadamente, cada vez mais enebriado. O pânico começa a tomar o seu lugar na minha mente.
02h00
Aho que já não sinto a perna esquerda. Quanto tempo mais tem que durar esta privação? Quanto tempo mais?
02h41
De fora nada vem. Nem um som abafado. Nem um piar de passarinho.
02h50
Já não tenho os pés a mais. Consegui deixá-los. Desapareceram.
As vozes ocupam o lugar deles. Duas vozes discutem na minha cabeça. E o mais ridiculo é que nenhuma delas é a minha. Tenho uma discussão alheia na cabeça! O que puderá ser pior? Vozes alteradas discutem coisas sem sentido e nenhuma delas é a minha... Será a falta de oxigénio?
02h56
Parecem discutir coisas inúteis. Parecem discutir elementos do desenho de uma casa. Parecem discutir números, medidas, cotas...
02h58
Acabo de acordar. O rádio caiu e já não sai uma única onda poluidora. Apenas as vozes que se aproximam. Não... estão a afastar-se. Parecem estar cada vez mais silenciosas. Mas ainda alteradas. Que coisa esquisita.
03h15
Acho que vou abrir a porta. Prefiro a cidade inundada de vinho e cerveja, o país a mergulhar no caos da desordem, a falta de combustiveis ou de comida no supermercado, a suportar isto. Caramba. Agora parecem ter vindo falar comigo. E não é que eu respondi?
03h25
Estou abalado. Vou abrir a porta.
03h40
Tenho que conseguir abrir a porta! Mas o que será que me espera? Quem estará desta vez em greve a contestar o governo? Será que a ASAE já fechou todos os barracos que vendem febras e cerveja, ou vinho e sardinhas? Será que vai já acabar, finalmente, com os milhares de intoxicações alimentares que todos os anos acontecem por causa da sardinha que se assa em brasa não higienizada? Ouvi dizer que o ano passado, foram pelo menos 3200 pessoas, entre elas muitos turistas apanhados desprevenidos nas malhas do "very tipical" e da sardinha fora do frio há pelo menos 2 minutos antes de ir para a brasa (não higienizada, já se vê). Acho que os hospitais do país se encheram, tal foi a onda de indisposições. Estava a ver que a ASAE não intervia...
04h05
Tenho que abrir a porta...
04h09
Começaram os temores e acho que estou a alucinar.
Fujam! Fujam! Salve-se quem puder! Vêm aí os camionistas! Acudam! Salvem-me! Dizem que têm ordens para me mandar para a festa! Acudam! É o piquete de greve! Acudam!
sexta-feira, 13 de junho de 2008
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